PARA SEMPRE por Paula Santisteban

Diretora artística do Música em Família, cantora e compositora

Se eu tivesse que escolher uma palavra para representar o projeto Para Sempre seria “mágico”.

Desde que a Estela nasceu, eu e o Edu ficamos muito apaixonados pela oportunidade de sermos pais. Cada segundo daquela experiência, cada passo, cada desafio, cada história nos inspirava mais e mais, além de sentirmos uma conexão direta com a natureza.

Quando a nossa filha ainda era pequena, recebemos a triste notícia de que um tio meu estava doente. Ainda no mesmo ano, em uma tarde de primavera, fomos avisados de que ele havia falecido. Tudo aconteceu rápido demais… Ele foi uma pessoa marcante na minha infância, apesar da distância, pois morava com minha tia e primos no Sul. Todos os anos, na época do Natal, eles vinham para São Paulo para as festas com a família e depois passavam parte das férias com a gente, portanto, fiquei muito chateada com sua partida e não poderia deixar de dar o meu último adeus.

Viajei de avião para chegar a tempo. Saí de madrugada e logo cedo estava lá. Acompanhei o nascer do Sol sobre as nuvens de um céu muito claro. Fazia muito tempo que não saía de perto da minha filha. Depois do seu nascimento, até aquele dia, não havia ficado tantas horas longe dela, portanto, estava muito atenta e aberta a todos os estímulos e sensações… cheguei de manhã com o Sol colorindo tudo.

Fui direto do aeroporto para o cemitério e lá passei o dia todo ouvindo histórias, chorando e até rindo de algumas lembranças. O Sol começou a ficar mais forte e ardido, dando uma sensação de calor quase insuportável. O local era muito verde, repleto de árvores, flores, tudo bem plano e amplo. Enfim, fiquei o dia todo naquele lugar, em silêncio e também conversando… tive um dia, uma tarde e um final de tarde em meio à natureza, sentindo o vento, o Sol, pisando na terra, ouvindo o barulho das folhas, dos pássaros e das cigarras.

Depois do último adeus, todos começaram a se despedir e um vento muito forte começou a bagunçar nossos cabelos e esvoaçar nossas roupas. Uma tempestade fez com que aquele grupo pequeno de familiares e amigos que ainda estavam se despedindo saíssem correndo por causa da chuva. Ficamos ensopados e quando encontramos abrigo rimos muito daquela situação. Parecia que o meu tio, que acabava de partir, havia nos pregado uma peça, já que ele era sempre muito engraçado e divertido… e então, as lágrimas se transformaram em risos rapidamente. Ele era uma pessoa muito brincalhona e foi assim que nos despedimos dele.

Meu avião saiu de noite, uma Lua e um céu estrelado fizeram a minha volta um pouco mais amena. Acabei chegando em casa com o dia amanhecendo novamente, como se eu nem tivesse saído… parecia até um sonho. Quando saí, Estela estava dormindo, quando voltei também. Logo cedo ela acordou, me deu um beijo e do jeitinho dela não parava de me perguntar: Mamãe onde você estava? Por que não dormiu aqui? Você viajou para onde? Por quê?

Após tantas perguntas resolvi responder com a verdade, mas de uma forma que ela pudesse compreender, ou pelo menos sentir. Até então, ela nunca havia pensado que a vida poderia ser interrompida, nunca havíamos conversado sobre isso. Aquilo foi algo que a deixou quieta, com um olhar bem profundo.

Conversamos sobre as plantas do nosso quintal, sobre sementes que ela já havia plantado no jardim e que ela viu brotar. Falamos sobre as borboletas e seus casulos, sobre as lagartas que deslizavam na folhagem verdinha por onde ela brincava. E então, de repente, aquilo começou a fazer sentido para ela e consequentemente para mim. Entrar em contato com a morte como algo comum a todos a fez olhar para a vida com um outro olhar.

A partir daí comecei a escrever sobre o que havia vivido… Poemas, palavras soltas, textos e histórias. O disco todo veio surgindo como mágica. As canções foram surgindo em ordem, com muita calma… eu e o Edu acabávamos de fazer uma, chegava a outra prontinha. Não nos apegamos a nenhum formato, deixamos que aquela inspiração corresse sem brecá-la. Sem parar e sem forma correta. Este projeto foi recebendo todas as palavras que apareciam, todas as notas e instrumentos que foram surgindo no meio do caminho.

Mais ou menos na metade do processo de composição convidamos o percussionista James Müller para uma conversa. Ele nos contou muitas histórias sobre sua estadia na África e sobre tambores. Uma frase não saiu mais da nossa cabeça desde então: O tambor é a mistura da árvore, do bicho e das mãos do homem. Aquela conversa nos inspirou a construir o livro e o conceito todo do projeto.

Em Para Sempre, tudo é orgânico e cíclico, as canções, os poemas, as atividades e a arte gráfica. Para esta última, eu e a Selma Bologna saímos por aí buscando papéis naturais que deixassem o livro com um ar rústico. Encontramos algumas folhas que estavam deixadas de lado em uma loja, eram papéis completamente naturais, feitos à mão, um a um… papéis com sementes de camomila, com cascas de cebola, cascas de coco, entre outras coisas. Compramos todas estas folhas e convidamos o Hernani Rocha Alves para ilustrar o material. Além disso, contamos com a arte educadora e artista plástica Adriana D’Agostino para uma consultoria.

A árvore, ilustração principal do livro teve vários formatos até chegar ao seu resultado final. O Hernani fez muitos desenhos interessantes, mas eu acabava achando que não era aquela árvore que estava em nossas canções e linhas melódicas. Em uma tarde, eu que não sei desenhar bem, desenhei em um papel minúsculo, menor que meu dedo mindinho, uma árvore que me sugeria o encontro entre o Ocidente e o Oriente… o Ipê e a Cerejeira. Do meu jeito, fiz os rabiscos dos galhos e então recortei vários papéis iguais e do mesmo tamanho. Aí, como uma criança, comecei a recortar sem precisão. Sabe aquela brincadeira de criança, de fazer aqueles recortes em papel? Assim surgiram as páginas do Para Sempre. Cada página diferente, cada uma desvendando a outra como se fosse um leque, que revelava e escondia ao mesmo tempo e que, principalmente, ligava uma história à outra. Peguei esse papel minúsculo, que guardo até hoje, e mostrei para nosso ilustrador. Ele se apaixonou pela ideia dos recortes e daquele formato… sabíamos que não seria fácil, mas como em um passe de mágica surgiu a árvore do Para Sempre.

A representação do ciclo da vida estava no formato do livro que começava e terminava da mesma forma, de um lado o dia e do outro a noite. Tudo aconteceu muito naturalmente, a arte, o formato, as letras das canções, os poemas, as imagens e até as atividades pedagógicas. Tudo a seu tempo.

Imaginamos as atividades pedagógicas com um conceito de desaceleração e sempre que possível acontecendo ao ar livre, em conexão com a natureza, sentindo o vento, a água, as plantas, os bichos, as adversidades do clima. Pensamos também, em atividades que iniciassem de um processo de ócio, de não fazer nada, do silêncio, da respiração, de processos naturais do dia a dia.

Hoje com o novo livro em minhas mãos, fico sonhando com os educadores folheando essas páginas em formato de árvore, ouvindo o disco repleto de estímulos sonoros, brincando com as crianças ao ar livre, sentindo a mesma mágica que sentimos. Um sonho leve com educadores, crianças e suas famílias observando a natureza, como parte dela. Fico aqui desejando que o conceito de desacelerar seja realmente sentido e vivenciado e sirva de aprendizado para a vida… e só consigo pensar que este projeto está ligado a algo essencial.

Parar, fechar os olhos e respirar…

Inspira pelo nariz e solta pela boca…

Inspira pelo nariz e solta pela boca…

Inspira pelo nariz e solta pela boca…

Inspira… e solta…

Ainda vibra a corda.

Acorda embaralhada.

A corda.

O Ar é o mesmo…

O meu, o seu e o dele.