PARA SEMPRE por Eduardo Bologna

Diretor musical do Música em Família, músico e produtor

Muito mais do que um olhar, ou melhor, um ouvido atento às tecnicalidades das estruturas musicais, procuramos buscar uma aproximação sonora excepcionalmente sensorial em Para Sempre. As composições, os arranjos, os instrumentos utilizados, as interpretações, a mixagem… todos os aspectos, até mesmo os mais técnicos, se apoiam nas palavras e principalmente, nas sensações encontradas ao longo dos textos de Paula Santisteban.

Logo no início da pré-produção, a Paula e eu percebemos que este trabalho contemplaria diferentes estilos musicais e elegemos justamente esta pluralidade como o elemento central para unificar tudo isso, uma vez que boa parte de nossas aspirações residia em criar um universo artístico com diversos elementos étnicos, sem a intenção de caracterizar um único    gênero musical.

Procuramos olhar para as influências musicais de cada canção muito mais por aspectos abstratos do que por qualquer conceito harmônico ou rítmico estrutural, e assim, à medida em que mergulhamos nos temas de cada estação do livro, fomos lançados a alguns conceitos fundamentais da música indiana e oriental, sonoridades africanas, referências de música popular latina e norte americana, tradições europeias e nossas raízes brasileiras.

Esta característica mais universal, que se faz presente ao longo do disco, e que desde o processo da composição das canções até a masterização tornou-se o norte desta produção, pode até nos levar a entender, com certo cuidado, que o gênero World Music seria uma boa descrição para este trabalho. No entanto, este cuidado é facilmente justificado.

World Music (Música do Mundo) é um termo que surgiu nos anos 1960, mas que ganhou enorme projeção na década de 1980, quando artistas como Peter Gabriel e Paul Simon passaram a incorporar elementos de músicas étnicas menos conhecidas nos países de Primeiro Mundo, criando uma sonoridade eclética que por razões mercadológicas ganhou este nome… Ou seja, tudo o que as gravadoras multinacionais não conseguiam rotular como Rock, Pop, ou outros gêneros mais sedimentados, ganhava o selo de World Music… Isso obviamente não representava a riqueza harmônica, rítmica e melódica de tantas culturas extraordinárias e com o tempo, entre artistas com o mínimo de compreensão sobre outras estéticas, esse termo foi se tornando cada vez menos reconhecido.

É fácil entender meu ponto de vista, imagine que Gilberto Gil já foi premiado com o Grammy de World Music… ou seja, o quão “Música do Mundo” o espetacular Gilberto Gil é para um ouvinte brasileiro? Claro que nada… para nós, ele é um grande representante de uma cultura tão universal quanto qualquer artista pop nascido em Liverpool ou em Los Angeles… ou até mesmo o quão World Music são Amadou & Mariam para um cidadão de Mali ou Ravi Shankar para os indianos?

Isso me remete a dois grandes amigos que me fizeram rever alguns conceitos tão comumente utilizados por nós, profissionais da música. Quando eu morava em Los Angeles, me lembro de que meu companheiro de Musicians Institute, o guitarrista egípcio Amr Farouk ElAassar, sempre achava engraçado a maneira como nossos colegas norte-americanos entendiam, ou pensavam compreender, a música oriental… Da mesma forma que meu parceiro Stéphane Sanjuan comentou que achava engraçado a maneira como alguns brasileiros se referiam de forma genérica à música Africana. Stéphane é um músico francês que já tocou e excursionou com vários artistas de origem africana e sempre ressaltou a enorme riqueza cultural e diversidade presente no mesmo continente.

Então, com tudo o que foi dito anteriormente, por que eu sugeriria que o termo World Music pode ser relacionado a este trabalho? Justamente pelo mesmo motivo em que inicialmente o termo foi batizado… um gênero que contempla visões, compreensões culturais e colaborações artísticas distintas em uma mesma obra, ignorando a pureza ou singularidade dos grandes estilos musicais populares do Século XX e proporcionando novas plataformas sonoras e musicais. Assim, podemos compreender que artistas como Peter Gabriel, Paul Simon e David Byrne certamente caminham ao lado de seus colegas Gilberto Gil, Youssou N’Dour, Amadou & Mariam e tantos outros, independente do seu reconhecimento mundial… claro que é impossível definir a música do oriente, ou a música africana ou até mesmo a música do mais remoto vilarejo de qualquer lugar do planeta, mas certamente o simples ímpeto em buscar novas sonoridades já pode ser catalogado como algo novo e é certo que qualquer interferência de uma cultura menos reconhecida no universo Pop pode trazer uma incrível contribuição à música como um todo.

Foi neste aspecto, que nos debruçamos para realizar, com imensa contribuição de nossos amigos músicos, o conceito musical de Para Sempre. Instrumentos indianos como harmônio, tambura e tabla se uniram a violões, guitarras elétricas e pianos… instrumentos de percussão como djembé, talking drum e derbak estão ao lado de alfaia, caracaxá e xequerê permeados por flauta chinesa, flauta irlandesa, vibrafone, charango, bandolim, acordeon, coral sitar, entre outros.

Acredito ser relevante ressaltar que tudo o que se ouve neste disco foi realmente executado pelos músicos, captado em estúdio e posteriormente mixado analogicamente. Todo o processo de criação foi influenciado e transformado por casualidades e imperfeições, soluções inesperadas e interpretações sublimes dos artistas. Estabelecemos o universo digital apenas como plataforma para a realização de nossas ideias, mas rejeitamos todas as enormes possibilidades de manipulação que suas ferramentas nos permitem neste momento.

Para Sempre é um registro de encontros de amigos e nestes momentos procuramos ouvir uns aos outros e nos divertir. Tentamos fazer o som da chuva com garrafinhas, tentamos fazer com que as notas do vibrafone flutuassem, tentamos fazer com que o violão colocasse Ipanema no Japão, que o piano tivesse cheiro da sala da casa da Paula, que o contrabaixo fosse o chão, que o violoncelo fosse elástico, que as palmas lembrassem as festas da família espanhola, que a flauta parecesse os raios do Sol, que a voz tocasse o silêncio… e sem perceber, gravamos um disco… simplesmente ouvindo essas histórias.